O atual cenário sucroalcooleiro brasileiro conta com 367 usinas sucroalcooleiras dividas entre os estados de Alagoas (25), Goiás (38), Mato Grosso (10), Mato Grosso do Sul (24), Minas Gerais (42), Paraíba (9), Paraná (30), Pernambuco (17) e São Paulo (172) [1].
Entre as diversas usinas sucroalcooleiras existentes, muitas delas possuem um sistema de cogeração, ou seja, aproveitam o bagaço da cana moída para alimentar uma turbina a vapor com gerador de eletricidade acoplado ao seu eixo. Assim, neste cenário, muitas usinas sucroalcooleiras exportam energia elétrica através de linhas de transmissão (LT) própria.
Para uma melhor eficiência durante o processo de exportação de energia elétrica, quanto maior a classe de tensão da linha de transmissão, menor será a perda em quilowatts e assim, maior o lucro econômico da usina. Portanto, em geral, tais linhas de transmissão são da classe de 145kV com tensão efetiva de 138kV. A eficiência de uma instalação elétrica, consumidora/geradora, também está atrelada ao índice Fator de Potência da energia elétrica.
O Fator de potencia é definido como a relação entre a potência ativa e a potencia aparente numa instalação, num dado intervalo de tempo. Este índice reflete a eficiência da energia que esta sendo utilizada ou gerada, ou seja, a relação entre a potência ativa (realmente útil) e a potencia aparente (energia total) de uma instalação.
A ANEEL, através da Resolução Normativa nº664/2015 aprova a revisão do PRODIST que regulamenta o valor de fator de potência no ponto de medição conforme texto abaixo.
“3.2.1 - Para unidade consumidora ou conexão entre distribuidoras com tensão inferior a 230 kV, o fator de potência no ponto de conexão deve estar compreendido entre 0,92 (noventa e dois centésimos) e 1,00 (um) indutivo ou 1,00 (um) e 0,92 (noventa e dois centésimos) capacitivo, de acordo com regulamentação vigente”[2].
A Resolução Normativa nº 414/2010, Art. 96, regulamenta o valor do fator de potência indicando os períodos a serem respeitados conforme texto abaixo.
“§ 1º Para a apuração do ERE e DRE(p), deve-se considerar:
I - o período de 6 (seis) horas consecutivas, compreendido, a critério da distribuidora, entre 23h 30min e 6h 30min, apenas os fatores de potência “fT” inferiores a 0,92 capacitivo, verificados em cada intervalo de 1 (uma) hora “T”;
II - o período diário complementar ao definido no inciso I, apenas os fatores de potência “fT” inferiores a 0,92 indutivo, verificados em cada intervalo de 1 (uma) hora “T””[3].
No cenário da safra, que abrange meados de abril até meados de dezembro, as usinas sucroalcooleiras com cogeração, geram energia elétrica. Dessa energia gerada, parte é consumida em seus processos e o excedente é exportado, vendido. Nesse período, o gerador de energia elétrica corrige automaticamente o fator de potência para dentro dos limites imposto pela ANEEL, de forma que as usinas não são taxadas por excesso de consumo ou geração de energia reativa.
No cenário da entressafra, que abrange meados de dezembro até meados de abril, os geradores são desligados assim como grande parte dos equipamentos que realizam o processo de açúcar e álcool, ficando ligados apenas os setores administrativos. Nesta condição de operação perde-se o controle do fator de potência (gerador desligado) e pouca energia elétrica flui pela linha de transmissão.
Assim, em virtude da geometria da torre da linha de transmissão, da altura dos condutores em relação ao solo, e do fato de estar fluindo pouca energia elétrica, a LT pode apresentar um efeito capacitivo. Portanto, o fator de potência pode tornar-se extremamente capacitivo e as usinas serem penalizadas através de multa por excesso de energia reativa capacitiva durante 6(seis) horas consecutivas compreendido, a critério da distribuidora, entre 23h 30min e 6h 30min.
A multa por excesso de energia reativa vem contabilizada na fatura de energia mensal e geralmente descrita como “Energia Reativa kWh HFP/Único”, porém cada concessionária possui sua nomenclatura.
Este artigo vem apresentar uma alternativa economicamente viável para eliminar a multa por excesso de reativo capacitivo durante o período da entressafra.
A metodologia utilizada para a realização do projeto consiste basicamente em duas análises:
Para a análise econômica da multa, avalia-se o valor econômico da multa gerada por excesso de reativo.
Para análise técnica, avalia-se o valor econômico do equipamento, composto pelas etapas de especificação técnica, projeto e implantação. Para estas etapas, são necessários conhecimentos específicos de engenharia elétrica como circuitos elétricos trifásicos, qualidade da energia elétrica, transitórios eletromagnéticos, coordenação de isolação, proteção, controle e automação, projetos mecânicos e resistência dos materiais, agregando valor financeiro ao equipamento.
Assim, através das análises supracitadas, dimensionam-se valores de referência para avaliação da viabilidade econômica, ou seja, do custo beneficio do produto e o retorno financeiro (pay back).
Para realizar-se a análise econômica, deve-se solicitar as contas de energia durante a entressafra da usina que está sendo penalizada através de multa por excesso de reativo capacitivo.
A figura abaixo apresenta uma parte da conta de energia que consta os valores econômicos relacionados ao excesso de reativo capacitivo para um mês de entressafra.
Figura 1 – Conta de energia com excesso de energia reativa
Para a análise técnica deve-se avaliar a necessidade de correção de energia reativa. Assim, solicita-se a memória de massa do medidor de energia da concessionária correspondente aos meses da entressafra, sobre a qual se realiza um estudo criterioso fundamentado nos conceitos da engenharia elétrica já mencionados.
Assim, elaboram-se gráficos de potência ativa, potência reativa, potência aparente, fator de potência e da necessidade da potência reativa para compensar a energia excedente, juntamente com simulação do sistema elétrico em software de fluxo de potência para calcular a potência dos reatores e comprovar a solução.
Uma vez determinada a potência dos reatores, realize-se o dimensionamento dos demais equipamentos que compõe a solução como transformadores de corrente de fase, chave à vácuo de manobra, chave fusível, para-raios, isoladores, estrutura metálica e o painel de comando (relés e controladores) para que o produto final opere de forma automática, sem intervenção do operador da subestação.
Portanto, com os equipamentos definidos, realiza-se o orçamento do mesmo com o objetivo de calcular o pay back do investimento.
O caso analisado consiste em uma usina sucroalcooleira com cogeração real em torno de 25MW de potência, com linha de transmissão de 20km, em 138kV.
A figura abaixo apresenta o fator de potência no ponto de acoplamento sem compensação durante a entressafra (Janeiro a Abril), para o período reservado (00:00hs às 6:00hs).
Figura 2 – Fator de Potência no ponto de acoplamento sem compensação durante o período da entressafra (Janeiro a Abril)
Observa-se que o fator de potência durante o período reservado (00:00hs às 6:00hs) está extremamente capacitivo, com valor entre -0,15 a -0,60. Nesta condição, o, Inciso 1º, Parágrafo 1, do Artigo 96, da Resolução Normativa 414/2010 está sendo violado, o que acarretará penalidade através de multa por excesso de reativo capacitivo.
Ao final da medição, que corresponde a metade do mês de abril, nota-se que o fator de potência oscila muito, pois estão iniciando a partida da planta.
A figura abaixo apresenta o fator de potência no ponto de acoplamento com compensação durante a entressafra (Janeiro a Abril), para o período reservado (00:00hs às 6:00hs).
Figura 3 – Fator de Potência no ponto de acoplamento com compensação durante o período reservado da entressafra (Janeiro a Abril)
Observa-se que com a compensação adequada, o fator de potência durante o período reservado (00:00hs às 6:00hs) está dentro dos limite capacitivo, com valores entre 0,40 a 0,80 indutivo. Nesta condição, o, Inciso 1º, Parágrafo 1, do Artigo 96, da Resolução Normativa 414/2010 está sendo atendido, o que não acarretará penalidade através de multa por excesso de reativo capacitivo.
O gráfico abaixo apresenta o retorno financeiro (pay back) da implantação do equipamento.
Figura 4 – Multa mensal na entressafra, multa acumulada e valor financeiro do equipamento.
Figura 5 – Pay Back em porcentagem.
Observa-se que em cinco meses, uma entressafra e um mês de outra entressafra, o retorno financeiro do equipamento se completa.
A figura abaixo apresenta uma imagem do equipamento já instalado em uma usina do estado de Minas Gerais.
Figura 5 – Equipamento montado e instalado.
A falta de conhecimento, no que tange a multa por excesso de reativo capacitivo, é uma verdade que atinge diversas usinas sucroalcooleiras com cogeração no Brasil.
O equipamento adequado realiza a compensação necessária para que o reativo capacitivo esteja dentro dos limites estabelecidos em norma, eliminando o custo financeiro abordado neste artigo.
Portanto, com retorno em aproximadamente uma entressafra e meia, o banco de reatores shunt torna-se viável e atrativo aos investidores e colaboradores de usinas sucroalcooleiras.
[1] Nova Cana.com. Disponível em: http://www.novacana.com/usinas-brasil.
[2] Procedimentos de Distribuição de Energia Elétrica no Sistema Elétrico Nacional – PRODIST. Módulo 8 – Qualidade da Energia Elétrica, pág. 12 e 13.
[3] Condições Gerais de Fornecimento de Energia Elétrica, Resolução Normativa Nº 414/2010, pág 100.